Poucas vezes nos perguntamos por que o modelo contábil vigente é uma das poucas linguagens universais, utilizada desde tempo remotos. Mais intrigante ainda é que o primeiro livro sobre o método das partidas dobradas (metodologia padrão das ciências contábeis) foi publicado pelo monge Luca Pacioli, o mesmo autor do livro “Divina Proportione”, que aborda os padrões e leis matemáticas que moldam a natureza, e que contou com as ilustrações de. nada mais, nada menos, Leonardo da Vinci. E por que o autor da “Divina Proportione” teria interesse em escrever sobre contabilidade? Será que há algum paralelo entre as duas obras?
As diversas mitologias nos contam o processo de criação do mundo através de duas forças, uma ativa, geralmente representada pelo pai, e uma força passiva, geralmente representado por uma virgem que é fecundada pela força masculina. O pai como o “Espírito”, e a “Matéria”[1] como a mãe, que com sua sabedoria cria o palco para a manifestação do espírito. Ao criar a matéria para que possa manifestar o mundo como conhecemos, ela gera a dualidade e separa céu e terra, criando a dimensão do espaço tempo e, com isso, o plano da causalidade (guardem bem isso). Tal imagem foi representada pelos egípcios pela deusa Nut, que separa o céu e terra e cria o palco para a manifestação do mundo.[2]
A deusa Nut – Egito
Essa dualidade da força da criação se repete em todos os aspectos de nossa vida: para nascer uma planta, uma semente (força ativa) necessita ser fecunda pela terra (força passiva); um filhote nasce quando um macho e uma fêmea se unem, e um sêmen fecunda um óvulo; até mesmo quando ligamos um aparelho na tomada, a energia se dá através de um polo positivo (ativo) e outro negativo (passivo).
Da mesma forma, para nascer um empreendimento se faz necessário uma ideia, o princípio ativo empreendedor, mas também da matéria. Todos os produtos que adquirimos foram um dia matéria inerte, ou virgem, que aguardava ser fecundada pela ideia que a transforma em criação.
Assim temos aqui a polaridade do empreendimento: acima o propósito (ou ideia primeira), e abaixo o resultado apresentado (a manifestação da ideia); o primeiro é a força ativa, e o segundo a força passiva, assim como na imagem abaixo.
A contabilidade busca traduzir a vida como ela é, a partir do reconhecimento das próprias leis da criação. Por isso o balanço se divide em duas colunas: a coluna do ativo de um lado, e de outro lado a coluna do passivo, que é equivalente ao ativo, pois um dos princípios da contabilidade é que ativo é igual ao passivo, o que também justifica o nome “balanço patrimonial”.[3]
Da mesma forma que nos mitos da criação,) o caminho de materialização de um empreendimento penetra na dimensão do espaço tempo e no plano causal, ou plano da causa e efeito.
A contabilidade trata então de registrar esses movimentos de causa e efeito, daí o nome do método contábil de “partidas dobradas”, onde o crédito significa “causa” e débito “efeito”.[4] Luca Pacioli dizia que as partidas dobradas demonstram um outro princípio, o de que todos formamos uma unidade, ou seja, tudo que um faz afeta a totalidade. Segundo essa lei todo crédito gera um débito de igual valor. O crédito de um é o débito de outro, por exemplo: quando você faz um depósito em sua conta corrente, este lhe gera um crédito, mas para o banco ele possui um débito em relação ao depositário.
Assim podemos ver a maravilha que é a contabilidade. A maioria das pessoas ainda veem a contabilidade como algo muito árido, estranho e muito complicado. Mas precisamos ir aos poucos ir desmistificando-a para reconhecer toda a sua beleza, assim como as próprias leis que ela retrata. A contabilidade deve descrever a realidade de um empreendimento, e por isso ela se torna uma ferramenta fundamental para a gestão e governança dos negócios.
Este é o primeiro de alguns textos que irei publicar sobre Negócios, Gestão e Governança, abordando o que chamamos as “Leis Gerais que Regem os Empreendimentos”. No próximo falaremos da visão de futuro como o primeiro passo para materializar um negócio.
Perguntas e comentários são benvindos.
Obrigado!
[1] A palavra matéria vem de mater, que significa mãe.
[2] Referência: Campbell/Joseph – “O Herói de Mil Faces” – Ed. Cultrix/Pensamento – capítulo II – “A Virgem Mãe”
[3] Embora a equação mais conhecida seja “ativo = passivo + patrimônio líquido”, é possível simplificar a equação como “ativo = passivo”, porque o patrimônio líquido representa também um passivo , que acumula o capital integralizado pelos sócios (passivo em relação aos acionistas), e os resultados do exercício (passivo em relação aos impactados).
[4] Sá/Antônio Lopes de – Teoria da Contabilidade – Ed. Atlas – São Paulo 0 2002 – 3ª edição – P.25